sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Chaves e a melancolia do nosso dia a dia


Muitas coisas marcam o seriado Chaves. As frases clássicas (acho que nem preciso repeti-las), as piadas que, mesmo “velhas”, são sempre válidas, as lições de moral (“a mentira nunca é plena, mata a alma e a envenena”), etc...etc... Enfim, não é à toa que esse programa já está há 30 anos (e provavelmente ficará por mais 30) na tv brasileira.

Porém, tirando tudo ligado ao humor, algo sempre me chamou atenção sobre o seriado e talvez seja melhor definido na frase que li hoje é: “Existem algumas referências da infância que nos preparam pra vida: era o caso da melancolia embutida em Chaves". E é bem isso. Não é só fazer sorrir, Chaves, pelo menos para este que vos escreve, também conseguia, como ninguém, nos fazer tristes. Mas não a ponto de necessariamente chorar (apesar que o episódio em que ele é chamado de ladrão testou minha fé), e sim no sentido melancólico/reflexivo. Diria até, sendo presunçoso, no sentido de nos confortar e confrontar sobre a irrelevância/importância da vida.

Se pensarmos direito Chaves representava (ou representa) nada mais do que a repetição diária da nossa vida. E, talvez por isso, nos prende tanto. “Sempre as mesmas piadas”, “sempre o mesmo cenário”, “sempre a mesma roupa”, “sempre as mesmas pessoas”. A escola, o professor, os amigos, o trabalho (que falarei um pouco mais adiante). Enfim, tudo a “mesma coisa”. Mas, o que seria isso senão um pouco (pelo menos para boa parte das pessoas) de nossas vidas? uma série de “episódios repetidos”. 

Temos amores correspondidos (que nos convidam para tomar uma xicará de café), amores não correspondidos (que nos chamam de bruxa), aquela pessoa que sempre terá um brinquedo melhor que o nosso, o tiozinho pilantra, mas, gente boa, que nos dá bons conselhos, brigas, cascudos, medos, festa da vizinhança e o parque diversão de vez em quando... Enfim... como disse, cenários repetidos, que praticamente todo mundo já passou e, em alguns casos, são universais. Ou seja, não apenas o “rapaz pobre do subúrbio” sofre com isso.

A melancolia em Chaves talvez seja melhor representada pelo seu “melhor episódio” que, para muitos (e para mim), é a viagem a Acapulco. Por que? Simplesmente porque quebra a rotina, é “o diferente”. Outro cenário, outras roupas, outras pessoas, outras situações, outras comidas. E, convenhamos, quem de nós não tem aquela viagem especial, aquele momento que, talvez, represente o dia mais divertido em nossas vidas. Enfim, Chaves, desde cedo, nos apresenta isso.

Assim como, para muitos (e para mim), o pior episódio é o do restaurante. Por que? É aquilo, convenhamos, o trabalho não nos traz as melhores lembranças. É difícil encontrar uma pessoa que diz: “olha, o dia mais feliz da minha vida foi no trabalho”. Você pode ser feliz trabalhando, claro, assim como, apesar de “ruim”, conseguimos dar risada com aquele episódio. Mas, marcante... marcante, não é!. E isso sem contar que o trabalho nos priva de pessoas importantes. Em muitos casos (e me incluo nisso) você tem bons amigos, para alguns, até familiares, esposa/marido trabalhando com você. Porém, na maioria das vezes, ao ir trabalhar deixamos algo em casa (ou longe de nós). E em Chaves não foi diferente, por “deixar em casa” figuras especiais como Quico e Seu Madruga, naquele episódio. 

Enfim, Chaves nos faz rir? sim, evidente. Muito!. Mas, as vezes, mesmo que sem querer querendo, eles nos faz querer nos esconder no barril, para não nos verem chorando dos cascudos da vida. 



Ps. Essa é a centésima postagem do blog. Perfeito! Acho que não poderia ser melhor ao que se propõe esse (muito) pequeno espaço. Valeu, Bolanõs.

4 comentários:

  1. Anônimo28.11.14

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  2. Gostei muito do texto. Acho que faz muito sentido sim, embora eu nunca tenha enxergado dessa forma, quando você associa a questão do “sempre a mesma coisa” às nossas próprias vidas. Chaves fez parte praticamente da minha vida inteira, são ‘referências da infância que nos preparam pra vida’ que já duram 30 anos...

    Acho que eu nunca vi essa questão específica das mesmices etc - embora eu também me sentisse da mesma forma quando havia mudanças de cenário - acho que todo mundo! - era sempre aquela sensação de coisa nova, coisa diferente. Acapulco é, sem dúvida, o melhor de todos, e têm outros como quando eles vão pra casa do Seu Barriga, ou quando vão ao parque, etc. E até as próprias cenas na escola com o Prof. Girafales.

    Mas a coisa de ‘vida’, eu acho que eu via de uma forma mais geral. Tipo, o lado bom e o lado ruim das coisas, os altos e baixos da vida. A dor e o riso. Eu me divertia muito assistindo Chaves, mas eu ficava muito triste também por diversas vezes, triste mesmo, de forma profunda, reflexiva.

    E mesmo sendo muito criança, eu já me ligava nessa coisa de que, por trás da piada, da tiração de onda, ele tava passando mensagens, por vezes até dando um ‘tapa na cara da sociedade’, dizendo ‘olha, é engraçado, mas é sério, viu?’. E acho que essa é a grande sacada, o diferencial, o que dá o toque especial e tão eficiente que prende gerações inteiras.

    É quando eu te digo que ele pega um personagem de essência triste pra protagonizar situações que têm o objetivo de divertir, de fazer rir. Só que aí ele vai mais além. Ele encontra o jeito dele de abordar questões como miséria, pobreza, desigualdades, violência etc, nos dá lições de moral, ensina que a gente tem que perdoar os inimigos, viver em harmonia, respeitar o próximo, cuidar do meio ambiente, manter a juventude, valorizar as amizades e, pra mim, a lição ‘foco’ dele que é a de que a gente pode ser feliz com pouco.

    Sempre teve a ver com essa coisa dele passar essas mensagens e meio que tem a ver com isso que você diz. Tipo, ele pega o que já faz parte da vida e te ensina alguma coisa, ele te dá a opção de você ver o que você pode tirar daquilo ali. Tipo, ir pra escola é um saco, mas estudar é importante. Ou, se apaixonar torna você um bobo, mas é gostoso. Ou, trabalhar é duro, mas recompensador. Então, ele encontra um jeito de ser educativo e ao mesmo tempo debater a vida, as relações humanas, a sociedade, as escolhas de cada um.

    Pra mim, as principais mensagens estavam nos personagens em si, mais do que nas situações. Não só no menino pobre e triste que nos ensina a valorizar as coisas simples da vida; mas no cara abatido, que fuma e bebe – a típica imagem do ‘fracassado’, talvez? – que vive desempregado e precisa sustentar sua filha e se manter debaixo de um teto; ou o filhinho da mamãe bochechudo que cresceu sem pai e descobre que seus amigos humildes são melhores do que seus brinquedos e roupas caras; da menina baixinha de óculos, mimada e trambiqueira que nada mais é do que o reflexo do próprio pai; da mãe viúva de auto estima baixa que não quer se misturar com a ‘gentalha’ e que tem como alicerce o seu romance ‘discreto’ com outro homem; da solteirona feia e solitária que não é correspondida pelo seu amado e é chamada de bruxa pelas crianças; do menino riquinho que sofre preconceito por ser gordinho e que busca refúgio na própria comida.

    E é aí que você percebe a genialidade do Bolaños ao construir esses personagens, que nada mais são do que fragmentos da nossa própria sociedade, do que nós somos, com todos os nossos fantasmas e esteriótipos.

    Mas ele concebeu tudo com tanta leveza, que a maioria percebe a coisa de uma forma mais implícita, meio inconsciente até, e de uma forma menos pesada, menos intensa.

    E ele fez tudo de forma simples, sem precisar de uma super produção, de um texto super trabalhado. Utilizando os mesmos cenários e poucos elementos em cena. Porque o que ele queria passar já estava ali, no contexto em si.

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  3. Bom, você já percebeu que eu viajo muito na parada, né? Eu sou muito fã, de uma forma muito emocional porque ele fez parte da minha vida e do dia a dia da minha família, desde que eu me conheço por gente. E também porque sempre o considerei um grande artista e vejo nele essa genialidade pois, querendo ou não, ninguém conseguiu fazer o que esse cara fez. E vamos considerar todas as limitações e a coragem dele em dar a cara à tapa, aos 40 anos de idade, correndo o risco de ser um grande fracasso, oriundo de um país onde dificilmente ele emplacaria um programa de TV com tamanha repercussão e alcance.
    Ele pegou um time de grandes atores e fez acontecer aquilo em que ele acreditava.

    Quer dizer, alguma coisa o cara fez direito. E a gente vê hoje em dia, o pessoal que ‘tenta’ humor na TV atualmente, faz de tudo – literalmente – e não vinga.

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  4. Concordo com tudo.

    É evidente que Chaves não é só essa melancolia. Longe disso. Não é nem o "forte" dele. Porém, como falei, essa frase que li hoje me "despertou" para algo que sempre pensei. E que, pessoalmente, me marca muito na série em geral...

    Não dava para falar sobre todos os personagens porque é aquilo, né. Texto de internet e tals. A gente tem que resumir. Mas, também lembrei do episódio que eles vão para casa do Seu Barriga. Que, "traduzindo" para nossa realidade. Seria mais ou menos quando, na infância, a gente ia visitar um parente (as vezes mais rico) de outra cidade/estado.

    Mas, sobre perceber. Realmente, a gente não assiste Chaves (assim como isso acontece com outras coisas) pensando: "Vou chorar e ficar deprê", não. São questões que normalmente estão ocultas em nós. Porém, se a gente parar para pensar sempre terá aquele momento em que olhamos para o teto ou para nada e falamos "poxa, que merda véi"... Enfim.. É um assunto meio longo/complexo. Só aproveitei a deixa e o tema para incluir outros pensamentos ahahaha

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É o verbo...