quinta-feira, 30 de agosto de 2018

O Novo é de fato novo. Mas isso não significa que seja bom




O Partido Novo é, com o perdão do trocadilho, uma novidade nesta eleição, e apesar de não estar entre os principais, longe disso, vem recebendo críticas e elogios, ao meu ver até acima da sua representatividade, que até o momento é praticamente nenhuma. Porém, uma das críticas que mais me incomoda em relação ao Novo (o Partido) é falarem que “ele já nasceu velho”, “o Novo não é tão novo” ou "o Novo que é velho".

Em primeiro lugar, o Novo, como falei anteriormente, é sim uma novidade. Ele possui pontos, em tese, que outros partidos não tem, como
a limitação ao "carreirismo político" e ser vedado ao presidente do Partido que ele possua cargo eletivo. Até aí, ok. São novidades que não necessariamente mudam o panorama político nacional. No entanto, o problema não está em ele ser novo ou não, e sim, que ao colocarem como crítica o fato dele “não ser novo”, ou seja, velho, dá a entender que o “velho”, na política, é algo ruim, algo que não concordo. Quando se tenta desqualificar o Novo com a pecha de velho, basicamente você argumenta em prol do Partido dando a entender que “se ele realmente fosse uma novidade isso seria bom”, repito, não.

É claro que a evolução humana e consequentemente política é sempre bem vinda, tanto no campo liberal de esquerda como até mesmo no conservador. Porém, daí a empurrar dentro de um arcabouço político cheio de complexidades (frase clichê, eu sei) que “ser novo”, “renovar”, “nova política” significa algo necessariamente positivo, é resumir o que é complexo à
aforismas simples e de impacto, até porque se a gente parar e analisar de forma séria o que é, de fato, a “velha política”? qual o problema real da existência de “partidos velhos”? E até onde renovar significa, dentro de uma perspectiva iluminista, melhorar?

Para a primeira pergunta muitos podem dizem: “política velha é política corrupta, é a política do toma lá da cá, a política feita por políticos de carreira, coronéis, etc”. Levando em consideração estes pontos como “política velha”, argumentaria que em relação à corrupção ela não necessariamente faz parte apenas da política, onde ela obviamente está presente, ela também é parte da sociedade em geral. Por exemplo, o Novo se orgulha de não ter “políticos corruptos” (para ser aceito no Partido é necessário ser ficha limpa), ok, acredito e acho até bacana. Mas isso não significa que ele não tenha pessoas corruptas no Partido, um empresário corrupto, médico, engenheiro, etc. Há um fato, às vezes esquecido, que para existir corrupção é necessário o corrupto e o corruptor, e praticamente desde a
ascensão da burguesia que uma parcela do empresariado, sejam em sociedades socialistas ou capitalistas, é corrupto, porém não por isso se brada, principalmente no campo à direita, por um “empresariado novo”, “um novo jeito de ser banqueiro”, “temos que acabar com os velhos empresários”. Ou seja, as práticas de corrupção são um reflexo das pessoas (físicas ou jurídicas), não necessariamente do momento.

Sobre o ponto do “toma lá da cá”, levando em consideração que não há corrupção, tema abordado anteriormente, ele é nada mais do que à política, dentro do conceito de
poderes de Montesquieu, sendo colocada em prática. Ou seja, em tese, a partir do momento em que o Executivo precisa lidar com um Congresso/Legislativo múltiplo, é, ou deveriam ser, necessárias as negociações e ponderações em programas diferentes. Além disso, a troca de apoio por cargos, dentro de um conceito legal, é algo mais “novo” do que necessariamente antigo, é isso ou isolamento, ditadura, monarquia, ou algo semelhante. Mais ou menos parafraseando Churchill, “é o melhor dos piores modelos”.

Já sobre política de carreira e coronelismo, apesar de sim, ser uma praga em geral, ela não é constituída apenas dentro da política, fatores externos e bem importantes, “agregam valor” a esse formato. Ou seja, não é uma questão de “velha política” e sim, talvez, de “velha sociedade”. Por exemplo, os Sarneys não se mantiveram no poder e de alguma forma ainda são relevantes no Maranhão (e Amapá) por tanto tempo apenas baseados numa "opressão coronelista/política" eles possuem
redes de TV e Rádio, conjuram com setores do funcionarismo público e privado, todos fatores que vão além da política. Então, se propomos o “novo” para combater esse tipo de prática, também precisaríamos de “novas formas de fazer comunicação”, “novos modelos de empresários”, “novas formas de gestão pública e privada”. É combater o contexto (o famoso sistema) não apenas um dos seus pontos.

Ainda sobre o novo sendo tratado como um conceito moral superior, recentemente o candidato do Novo à presidência declarou, como se fosse algo positivo, que:
"Nos últimos 30 anos, o Novo foi o único Partido que não surgiu a partir de um sindicato, de uma agremiação religiosa ou de uma dissidência política”. Independente do ponto dele ter nascido de um banco, o que de fato tem de bom na declaração dele? Qual o problema real de um partido nascer de representações sociais fortes como sindicatos ou agremiação religiosa? (respeitando, claro, a laicidade do Estado). Partidos nascerem de grupos ideológicos é nada mais do que uma das principais funções de um Partido, ou seja, representar pautas e grupos, seja o verde, à esquerda, à direita, os cristãos, umbandistas, etc. Um dos problemas no Brasil é exatamente a falta dessas representatividades de forma partidária, o que leva a um grande cinza (chamado centrão) e Partidos fracos que são engolidos por personalismos (como Bolsonaro). Já sobre as dissidências, muitos dos candidatos do Novo vem do “Livres”, um grupo político que tal qual o Novo se coloca como “liberal econômico”, e que de alguma forma é uma dissidência do PSL (saíram de lá quando o Bolsonaro se filiou ao Partido). Enfim, sou um grande entusiasta de Partidos fortes e totalmente favorável ao Novo se colocar como um deles dentro do jogo político, levando suas ideias e modelos. Porém, jogar o jogo significa exatamente aceitar suas regras, fingir que possui regras próprias e mesmo assim jogar é esquizofrenia política.

Por fim, o “novo” sempre leva a outro conceito próximo que é o de “renovação” no legislativo, executivo, etc. Renovar é sempre algo importante a partir do preceito de evoluir. Mas renovar apenas por renovar significa melhorar? O MBL (Mamãe Falei, Kim etc) é, de fato, uma renovação política. Todavia, mesmo dentro do espectro de direita, é algo bom?. Eles também são uma “nova” forma de fazer política, porém, é positivo? Mesmo no campo da esquerda, Lula, Erundina, Suplicy, Ivan Valente, Tarso Genro e até mesmo, mais à centro-esquerda, Ciro Gomes, entre outros, são o “velho”, a “política antiga”. No entanto, esses nomes são piores do que uma renovação, à esquerda, às vezes forçada e mais próxima da
“pós-modernidade” do que pautas populares básicas e constitucionais como moradia, educação, saúde e emprego? Não acho.

Isso sem contar que renovar o Congresso, na idade,
elegendo os filhos dos políticos que anteriormente lá habitavam não é bem renovar, certo? É apenas colocar uma “mão de tinta” no passado. Sendo assim, ainda acharia preferível, não necessariamente ideal, colocar políticos “velhos” mas com ideias próprias e que deem a cara a tapa, não se escondendo atrás dos seus filhos.

Enfim, não estou fazendo uma defesa da acomodação política do “então do jeito que tá, tá bom”, longe disso. Apenas não aceito o antagonismo e maniqueísmo entre “novo” e “velho”, como se a política, esse negócio tão sério e complexo, fosse resumido à aforismas e frases de efeito. Como diria o Vanucci,
“Mudar ou…mudar de vez”, não necessariamente significa pra melhor. 





segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Ferroviário: um ato de sobrevivência


Foto: Keylla Miranda

Algumas equipes vivem, por mais que suas torcidas neguem, de títulos. Um ano sem gritar "é campeão" é um ano fracassado. Outras de participações em torneios e títulos esporádicos. Podem não ganhar sempre, mas seus torcedores sabem que o ano comecará e terminará com jogos do seu clube. Eles sabem onde encontrá-la, quantos jogos faram no ano, toda sua tabela e perspectivas. Porém algumas equipes apenas sobrevivem. E ver seu time lutando apenas para sobreviver é o que pior pode acontecer para um torcedor. 

Imagine você acompanhando alguém que ama apenas sobrevivendo, quase vegetando, olhar para a pessoa, saber de tudo (ou muito) do que ela viveu, ainda ver um certo brilho no seu olhar. Mas apenas isso. Ela apenas sobrevive. Ela não te faz mais sorrir, ter raiva, se emocionar. Ela apenas está lá. E foi isso que a torcida do Ferroviário viveu nos últimos anos, viu apenas seu time sobreviver. 

Enquanto antigos rivais caiam, subiam, ganhavam títulos, ficavam encalhados na série C. O Ferroviário apenas sobreviveu, dava alguns sinais vitais por 3 meses a cada ano para disputar uma decadente série B do cearense, contra equipes semi-amadoras. E a cada fracasso, a impressão para a torcida é que esses 3 meses eram apenas “a melhora da morte”. O medo era em algum momento receber a notícia que “o Ferroviário não disputará torneios profissionais este ano”, tamanha a crise que se deu sobre à Barra do Ceará. 

O resgate, com um acesso mais a base da incompetência e amadorismo alheio, trouxe um pouco de esperança. Porém, ainda era necessário ir além do “existir”. O time precisava de calendário, precisava competir e não viver apenas de 3 meses em campo, mesmo que na elite estadual. E conseguiu! Até mais do que esperava, indo além de uma vaga na série D, com vagas na Copa do Nordeste e Copa do Brasil. E assim, com o calendário cheio, o Ferroviário começava talvez em 2018 um maiores anos de sua vida. Onde ele, de fato, sobreviveu. Fez história com uma bela campanha na Copa do Brasil, enfrentou, e bem, equipes da elite nacional. E com brilhantismo conquistou seu primeiro título nacional. 

Após a conquista era comum ver pessoas, principalmente mais velhos, chorando copiosamente. E isso se explica. Eles acompanharam de perto a luta do Ferroviário pela sobrevivência. Eles viram um time sair de um “clássico dasmultidões” (contra o Ceará) tamanho era sua torcida, para minguar numa série B de cearense, sendo atropelado por times de bairro, como o Floresta, ou empresa, como o Uniclinic. Estes torcedores viveram, diariamente, o medo de ver seu time morrer antes deles. O medo real de nunca mais ver uma glória da equipe que tanto ama. De nunca mais se sentir minimamente respeitado. De andar nas ruas com a camisa do seu clube e ouvir, com um fundo de resiliência, “o ferrim ainda existe?”.

O Ferroviário era a síntese da morte, ou luta pela sobrevivência, de times tradicionais como a Tuna Luso, Goiana E.C., América-PE, Alecrim-RN, Ypiranga-BA, etc. Ele foi por muito tempo apenas, romanticamente falando, uma foto manchada de um clube campeão “no século passado” (1995 seu último título). De algo que talvez não fosse existir outra vez. Onde torcedores mais velhos morreriam com medo de não deixar “seu legado” para os mais jovens. Pois, quem vai torcer para um time que apenas sobrevive? O título do Ferroviário também é um título da Tuna, América e demais citados. De clubes que sobrevivem, com torcedores fiéis, que comemoram cada vitória, por mais simples que seja, como se fosse um título. Pois, cada vitória é um ato de sobrevivência. 

Foto: Site do Ferroviário 



segunda-feira, 11 de junho de 2018

Copa pouca meu pão e circo primeiro



Panem et circenses
ou “pão e circo” foi, em tese, o modo com o qual os líderes romanos lidavam com a população em geral, para mantê-la fiel à ordem estabelecida e conquistar o seu apoio. Esta frase tem origem na Sátira X do humorista e poeta romano Juvenal (vivo por volta do ano 100 d.C.). Apesar que esse tipo de ação política talvez remonte até mesmo à democracia Grega Antiga.

Em um resumo simples, o que é até injusto já que o “pão e circo” é um termo/tema bem denso, ela é: uma medida de manipulação de massas, onde a aristocracia incentivava a plebe de certa forma ficar desinteressada em política e dar atenção para prazeres como a comida, através do pão, e o divertimento, retratado pelo circo.

Esse tipo de política, mais uma vez, em tese, se perpetuou por diversos tipos governos, desde monarquias, repúblicas, impérios, ditaduras, enfim. Todos se utilizaram desse estratagema. Porém, e aí cabe o questionamento, desde quando o termo criado por Juvenal é um antônimo a uma ode a Baco? Ou melhor, por qual motivo festejar algo é inversamente proporcional ao “ser político” de Aristóteles?. Ou seja, quem disse que não dá para curtir o pão (estar bem alimentado) e o circo (“entretenimento/festa”) e, paralelamente, não participar da política?

Como li recentemente: Pão e circo deveriam ser considerados direitos essenciais. De pão e circo levamos a vida. A felicidade humana está sempre no pão e no circo. Já o trabalho, esse castigo divino, deveria ser completamente dispensável.

Complementaria dizendo que a participação política não está excluída no "pão e circo", principalmente no segundo. A partir do momento em que você concorda que está excluída, você praticamente endossa que “eventos esportivos não combinam com política”. Ou seja, você anula o esporte como um ato político. Ao meu ver, um erro. E não só esportivos, eventos em geral (até mesmo o circo) são ou podem ser “políticos”. E aí cabe um parêntese importante sobre o fato que “evento político” não se resume apenas a eleição, apoiar partido A ou B ou a ir votar. Política é muito mais do que isso, um evento político, pode existir, por exemplo, quando você vai curtir seu baile/festa 

Porém, muitos podem falar: “ah mas esses eventos servem para encobrir os problemas da população”. Daí questionaria, quais problemas? Se for a fome, então não existiria o “pão e circo”. Já que levo obviamente em consideração que o conceito de “pão e circo” serve para todos. Se alguém passa fome não é o “circo” que mudará esse panorama, e consequentemente à crítica ao conceito passa a ser vaga, pois, repito, não existe “pão”. Se alguém passa fome, não tem moradia, etc a pessoa não deixará de conviver com isso durante uma Copa. Assim como também não é o evento o responsável e sim, políticas públicas, das quais, como falei anteriormente, a ação política não se resume ao voto ou eleições.

Já outros podem dizer, “ah mas o pão e circo encobrem repressões, má administrações, etc, como em ditaduras, por exemplo”. Obviamente discordo, pois, a existência de um não anula o outro. O que “encobre” repressão, más políticas, etc… é a força midiática, empresarial (“o mercado”) e política. O esporte, falarei mais disso a seguir, não é o fim, é apenas a tentativa de um meio que nem sempre funciona.

Da esquerda à direita, o futebol é criticado como alienação do povo. Desde os que o faziam para criticar governos como o de Getúlio Vargas (ou Peron na Argentina), que utilizavam o esporte como um meio de propaganda política, aos que o fazem para criticar Ditaduras, em toda América do Sul, que se utilizavam da mesma sistemática. E sim, evidentemente isso ocorreu. No entanto, ao contrário do imaginário popular, o futebol (ou o esporte) não ajudou a manter nenhum governo ou encobrir problemas. Usando a Ditadura Militar do Brasil como exemplo, se ela se utilizou do título de 70 como propaganda, e, de acordo com alguns isso serviu para “acalmar o povo”, insucessos em 1966, 1974, 1978, 1982, etc… não causaram nenhum tipo de “revolta” ou “impopularidade” do governo. A Ditadura não se manteve porque “o brasileiro é alienado por futebol”, pelo contrário, o futebol foi um dos principais meios de denúncia a esse sistema, que, entre outros motivos, como já dito, se manteve por apoio midiático, empresarial, político, atentados aos direitos humanos, etc. Ignorar isso é simplesmente tratar o futebol como um “fim” e não apenas mais um dos meios, que nem sempre funcionam.

Usando o mesmo tipo de argumento em relação à “alienação” de uma Copa do Mundo em paralelo com a história das eleições. Mais uma vez cabe a lembrança, política não existe ou é feita apenas durante eleições. Se acha isso, o alienado talvez seja você.

Mas vamos lá... O título de 58 não tornou o brasileiro mais “passivo”, tanto é que na eleição seguinte a ele, Juscelino Kubitschek, mesmo com boa aprovação, não conseguiu eleger seu sucessor (Henrique Lott), sendo eleito Jânio Quadros com um discurso de “mudança” (varre, varre, vassourinha!). Já o título de 62 em nada serviu para um estado de “apoio” ao então presidente João Goulart, empossado em 1961 após renúncia de Jânio e a campanha da legalidade. Pelo contrário, um mês após a Copa, Jango institui o 13°, crendo, talvez, em um ambiente de maior calmaria, sendo que no caso, ocorreu o contrário. Provando, como disse anteriormente, que “mídia”, “empresários/mercado” e setores políticos possuem um poder bem maior de “alienação” política do que o futebol.

Mas, seguindo, se não fosse o sucesso do Plano Real o título de 1994 dificilmente serviria para eleger FHC. Assim como o título 2002 não serviu para eleger seu sucessor, e o Brasil passou, eleitoralmente, por talvez sua maior mudança de eixo político desde a democratização. Enfim, os exemplos citados apenas servem para mostrar que eventos esportivos por mais que tentem ser utilizados como “máquina de propaganda” não necessariamente funcionam ou alienam.

Como disse algumas vezes no texto, a “política” não existe apenas durante as eleições. Eventos, desde esportivos, como Copa do Mundo, Olimpíadas, etc são também expressões políticas/culturais. Uma Copa não “aliena”, muitas vezes ela serve até como forma de conhecimento de outras culturas ou problemas de outras nações. O “pão” obviamente também não é um problema, pelo contrário, a sua ausência que é.



Ps. Vejam os hiperlinks, eles são importantes. 


Sobre a imagem que ilustra o texto. Saiba mais clicando aqui.