segunda-feira, 11 de junho de 2018

Copa pouca meu pão e circo primeiro



Panem et circenses
ou “pão e circo” foi, em tese, o modo com o qual os líderes romanos lidavam com a população em geral, para mantê-la fiel à ordem estabelecida e conquistar o seu apoio. Esta frase tem origem na Sátira X do humorista e poeta romano Juvenal (vivo por volta do ano 100 d.C.). Apesar que esse tipo de ação política talvez remonte até mesmo à democracia Grega Antiga.

Em um resumo simples, o que é até injusto já que o “pão e circo” é um termo/tema bem denso, ela é: uma medida de manipulação de massas, onde a aristocracia incentivava a plebe de certa forma ficar desinteressada em política e dar atenção para prazeres como a comida, através do pão, e o divertimento, retratado pelo circo.

Esse tipo de política, mais uma vez, em tese, se perpetuou por diversos tipos governos, desde monarquias, repúblicas, impérios, ditaduras, enfim. Todos se utilizaram desse estratagema. Porém, e aí cabe o questionamento, desde quando o termo criado por Juvenal é um antônimo a uma ode a Baco? Ou melhor, por qual motivo festejar algo é inversamente proporcional ao “ser político” de Aristóteles?. Ou seja, quem disse que não dá para curtir o pão (estar bem alimentado) e o circo (“entretenimento/festa”) e, paralelamente, não participar da política?

Como li recentemente: Pão e circo deveriam ser considerados direitos essenciais. De pão e circo levamos a vida. A felicidade humana está sempre no pão e no circo. Já o trabalho, esse castigo divino, deveria ser completamente dispensável.

Complementaria dizendo que a participação política não está excluída no "pão e circo", principalmente no segundo. A partir do momento em que você concorda que está excluída, você praticamente endossa que “eventos esportivos não combinam com política”. Ou seja, você anula o esporte como um ato político. Ao meu ver, um erro. E não só esportivos, eventos em geral (até mesmo o circo) são ou podem ser “políticos”. E aí cabe um parêntese importante sobre o fato que “evento político” não se resume apenas a eleição, apoiar partido A ou B ou a ir votar. Política é muito mais do que isso, um evento político, pode existir, por exemplo, quando você vai curtir seu baile/festa 

Porém, muitos podem falar: “ah mas esses eventos servem para encobrir os problemas da população”. Daí questionaria, quais problemas? Se for a fome, então não existiria o “pão e circo”. Já que levo obviamente em consideração que o conceito de “pão e circo” serve para todos. Se alguém passa fome não é o “circo” que mudará esse panorama, e consequentemente à crítica ao conceito passa a ser vaga, pois, repito, não existe “pão”. Se alguém passa fome, não tem moradia, etc a pessoa não deixará de conviver com isso durante uma Copa. Assim como também não é o evento o responsável e sim, políticas públicas, das quais, como falei anteriormente, a ação política não se resume ao voto ou eleições.

Já outros podem dizer, “ah mas o pão e circo encobrem repressões, má administrações, etc, como em ditaduras, por exemplo”. Obviamente discordo, pois, a existência de um não anula o outro. O que “encobre” repressão, más políticas, etc… é a força midiática, empresarial (“o mercado”) e política. O esporte, falarei mais disso a seguir, não é o fim, é apenas a tentativa de um meio que nem sempre funciona.

Da esquerda à direita, o futebol é criticado como alienação do povo. Desde os que o faziam para criticar governos como o de Getúlio Vargas (ou Peron na Argentina), que utilizavam o esporte como um meio de propaganda política, aos que o fazem para criticar Ditaduras, em toda América do Sul, que se utilizavam da mesma sistemática. E sim, evidentemente isso ocorreu. No entanto, ao contrário do imaginário popular, o futebol (ou o esporte) não ajudou a manter nenhum governo ou encobrir problemas. Usando a Ditadura Militar do Brasil como exemplo, se ela se utilizou do título de 70 como propaganda, e, de acordo com alguns isso serviu para “acalmar o povo”, insucessos em 1966, 1974, 1978, 1982, etc… não causaram nenhum tipo de “revolta” ou “impopularidade” do governo. A Ditadura não se manteve porque “o brasileiro é alienado por futebol”, pelo contrário, o futebol foi um dos principais meios de denúncia a esse sistema, que, entre outros motivos, como já dito, se manteve por apoio midiático, empresarial, político, atentados aos direitos humanos, etc. Ignorar isso é simplesmente tratar o futebol como um “fim” e não apenas mais um dos meios, que nem sempre funcionam.

Usando o mesmo tipo de argumento em relação à “alienação” de uma Copa do Mundo em paralelo com a história das eleições. Mais uma vez cabe a lembrança, política não existe ou é feita apenas durante eleições. Se acha isso, o alienado talvez seja você.

Mas vamos lá... O título de 58 não tornou o brasileiro mais “passivo”, tanto é que na eleição seguinte a ele, Juscelino Kubitschek, mesmo com boa aprovação, não conseguiu eleger seu sucessor (Henrique Lott), sendo eleito Jânio Quadros com um discurso de “mudança” (varre, varre, vassourinha!). Já o título de 62 em nada serviu para um estado de “apoio” ao então presidente João Goulart, empossado em 1961 após renúncia de Jânio e a campanha da legalidade. Pelo contrário, um mês após a Copa, Jango institui o 13°, crendo, talvez, em um ambiente de maior calmaria, sendo que no caso, ocorreu o contrário. Provando, como disse anteriormente, que “mídia”, “empresários/mercado” e setores políticos possuem um poder bem maior de “alienação” política do que o futebol.

Mas, seguindo, se não fosse o sucesso do Plano Real o título de 1994 dificilmente serviria para eleger FHC. Assim como o título 2002 não serviu para eleger seu sucessor, e o Brasil passou, eleitoralmente, por talvez sua maior mudança de eixo político desde a democratização. Enfim, os exemplos citados apenas servem para mostrar que eventos esportivos por mais que tentem ser utilizados como “máquina de propaganda” não necessariamente funcionam ou alienam.

Como disse algumas vezes no texto, a “política” não existe apenas durante as eleições. Eventos, desde esportivos, como Copa do Mundo, Olimpíadas, etc são também expressões políticas/culturais. Uma Copa não “aliena”, muitas vezes ela serve até como forma de conhecimento de outras culturas ou problemas de outras nações. O “pão” obviamente também não é um problema, pelo contrário, a sua ausência que é.



Ps. Vejam os hiperlinks, eles são importantes. 


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