quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Pelé, demasiado Edson...


Foto:  Ronaldo Kotscho/Placar 

É indiscutível a importância de Pelé, o Rei do Futebol, que completa 80 anos em outubro, na história não só do esporte ou do Brasil, no qual é a pessoa mais conhecida do planeta, mas também no campo simbólico como a figura que é, e deverá ser por muito tempo, a representação da excelência no esporte mais popular do mundo.

Não se discute a relevância de Pelé na história. É um símbolo irrefutável. No entanto, talvez o último ato de genialidade dele, até ser levado ao panteão dos deuses, é algo que curiosamente foi ignorado por parte da mídia e sociedade brasileira em geral, que é o Edson, a figura humana, com CPF, erros, acertos e diversas vulnerabilidades. 

Talvez até para facilitar Pelé sempre tentou separar, às vezes até exagerando no uso da terceira pessoa, a sua figura jurídica (Pelé) da física (Edson), porém, é curioso como isso o foi negado. Diferente de outras figuras famosas, e algumas bem representativas do esporte, da música, do cinema, etc. Para muitos Edson não teve o direito de errar, algo que, ao meu ver, o fez em diversos momentos. E aí não falo em cometer crimes, falo em erros humanos, em ações normais para qualquer figura que nasceu pobre no interior de Minas e viu seu mundo dar um 360° tão cedo.

Além de ser criticado pelo que ele fez, Edson também tinha a peculiaridade de ser cobrado pelo que deixava de fazer. A ele, homem negro, famoso, pairava a obrigação de ser, politicamente, uma espécie de Muhammad Ali, que o admirava. Ele não tinha escolha. E isso, como falei antes, me gera no mínimo curiosidade. 

Obviamente só ele é Pelé, mas também só ele é Edson Arantes do Nascimento, e, evidentemente, tem, ou deveria ter, o poder de escolher se deve ou não se posicionar, o que em geral pouco o fez. Edson sempre esteve próximo de governos da direita à esquerda, até ministro já foi, mas pouco levantou bandeira ou pediu diretamente voto para político A ou B, mesmo tendo tendências mais conservadoras, diferente de outras figuras, como Zico, por exemplo, que é infinitamente mais poupado pelos seus erros de posicionamento ou omissões, como a de subir em palanque de presidente de uma ditadura que torturou seu irmão.

Mas é claro que o Edson não é o Arthur. Isso tá na cara. A cobrança é diferente. Assim como ele também não é o Doutor Sócrates, figura importante no campo esportivo e político, que lutou contra a Ditadura Militar mas que, vejam só, entre outro erros, típicos de humanos, se rendeu em elogios a um presidente não democrático, no caso, João Baptista Figueiredo. Ato pouco lembrado em sua biografia, afinal, como disse, somos humanos, e estamos sujeitos a isso.

Às vezes me passa a impressão que para muitos, bem nascidos e que nunca passaram por 0.1% do que o Edson passou, a importância dele só se daria se mártir, ou algo parecido, fosse. Como assim o negro mais importante do Brasil e entre os mais importantes do mundo nunca sofreu nem se quer uma perseguição da CIA (apesar que Pelé já foi investigado pelo governo ditatorial)? Afinal, pra que serve um negro tão importante se não é para falar sobre racismo, não é esse o tema que eles dominam?

Ou pior, como destacou Roberto Vieira no excelente texto Manuel e Edson:

Porque Garrincha é visto como inocente e bonachão fora dos campos? Enquanto Pelé é cobrado em cada esquina a cada escorregão? 

Qual a diferença entre o Edson e o Manuel? 

Edson se recusou a reconhecer uma filha. Parte da torcida o vaia até hoje. Longe do texto elogiar a conduta. Mas Garrincha abandonou uma penca de filhos. No Brasil, na Suécia, sabe-se lá onde mais. 

Mesmo assim, o ato de Edson é sempre lembrado. E o de Garrincha é folclorizado. Como o de um bom selvagem. 

Em outros campos, Edson foi exemplo de atleta. Não bebia, não fumava, treinava mais que todo mundo. Enquanto Manuel era o avesso do avesso do avesso. 

Edson que jogou tão machucado quanto Manuel. Ambos esquartejados. Porém, a imagem do Rei saindo em frangalhos na Copa da Inglaterra. Depois de lutar com uma perna só diante dos portugueses. É menos lembrada que a clavícula do Kaiser. Menos glamourizada que os joelhos do Manuel.

Não se trata aqui de juízo de valores. 
Pelé e Garrincha são fenomenais, craques, gênios. Edson e Manuel são humanos, falíveis, marias-madalenas. Entretanto. Talvez o motivo da percepção distinta entre Edson e Manuel. Seja outro. Menos inocente – e mais ligado ao preconceito de classes e de cor. 

Edson, menino pobre e faminto, negro e inculto. Seria idolatrado se morresse pobre e entorpecido. Como devem morrer os negros neste país. Como morreu Garrincha. Mulato inzoneiro alcoolizado e falido. Semideus de um país que aplaude os seus ídolos do povo. Principalmente quando morrem miseráveis e esquecidos"...


Faço questão de colocar na íntegra tamanha a perfeição. E, de novo me volta a pergunta, talvez respondida pelo texto de Roberto. Por que só o Edson? Muitos podem lembrar da relação com a filha, atitude da qual, pessoalmente, não teria feito da forma que ele fez, mas, repito, por que só o Edson é cobrado até hoje por um “crime” que outros deuses/humanos como Maradona e Garrincha cometeram? É difícil imaginar que toda a revolta seja porque ele, ao meu ver corretamente nesse ponto, não foi ao velório de uma pessoa com a qual nunca teve qualquer relação, e mesmo que você considere essa uma atitude errada, não seria algo absolutamente... humano?! 

Todavia talvez o que mais me chama atenção sobre o Edson é o fato de paradoxalmente ao clamor por ele se posicionar, há a necessidade de sempre silenciar aquele que “calado é um poeta”. E mesmo se ele falasse tanta bobagem como levantam, o que não o faz, poucas coisas são tão castradoras como silenciar uma pessoa, negar a ela o direito de ter uma opinião, por mais frívola que seja. E não, não tem como achar que esse tipo de afirmação é “engraçada” ou que não tem nenhuma carga social. Não é algo isolado. 

Como disse no início, não é que o Edson, humano que é, não tenha erros. Não é que ele não poderia ser bem mais importante em temas fundamentais, e do qual ele viveu, ou ser uma voz importante contra uma Ditadura. Não é isso. Mas também é que, além de tudo, ele também é, como muitos outros, um rapaz negro, pobre, que saiu do interior e viu sua vida mudar muito cedo, ele poderia ser o que muitos pensaram, mas igualmente ele tem o direito de ser o que escolheu, sem de forma alguma arranhar o mito, pois, antes de tudo, ele é humano, demasiado Edson.  


terça-feira, 7 de abril de 2020

Sobre rotinas...



Depois de 3 semanas basicamente apenas em casa, acho que finalmente o "peso" da quarentena "bateu", não posso mensurar se muito ou pouco, mas posso classificar a forma: saudade da rotina.

Rotina. É interessante pois, em situações normais, ela é normalmente tratada como uma vilã, como a representação de algo monótono, da falta de opções ou até de uma vida sem objetivos. Diria que ela é tipo uma bactéria, que em geral a gente associa a algo ruim, mas que muitas vezes mais ajuda do que atrapalha

Então, após tudo isso acabar, espero que da forma menos traumática possível, algo que ficará para mim é sobre a importância da rotina. É sobre ela não ser o que restou e sim o que escolhi, claro, falando dentro de alguns privilégios e possibilidades. Amigos e conversas no trabalho, mesmo que repetidas, a cerveja na sexta-feira, mesmo que no mesmo bar, a pelada da segunda, mesmo que com as mesmas pessoas, as aulas da pior cadeira com aquele professor que é horrível, dormir até tarde no sábado/domingo, porque é quando dá, enfim... A quarentena e o isolamento social obrigatório (e importante, diga-se) dentre outros problemas nos tira o direito de escolher, mesmo que nossa escolha sempre fosse a mesma.

Esse período me fará valorizar o pragmatismo de uma escolha, e não apenas no clichê, que também não deixa de ser verdadeiro, de que darei mais importância a proximidade das amizades e aos momentos, mas sim que ela me fará valorizar a minha opção pela repetição por si só. Pela rotina. De não ver como negativo o fato de ‘toda semana fazer isso’. E sim que toda semana eu escolho, dentre outras opções, fazer 'a mesma coisa'.

É evidente que opções de escolhas variam de pessoas pra pessoas, alguns podem se restringir mais, outros menos. Também não significa que até o fim da vida sempre farei repetidamente a mesma coisa, óbvio que as "quebras da rotina" são importantes. Mas o que fica para mim é que as minhas escolhas rotineiras mais representam sobre o que é do que sobre o que deveria. E eu gosto do que é. 


sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Não, você não foi cancelado...



Recentemente o excelente historiador Luiz Antonio Simas fez uma thread em seu perfil no twitter e também deu uma entrevista sobre o “cancelamento”, palavra bem na moda, do Cacique de Ramos, tradicional bloco de carnaval do Rio de Janeiro. 
A princípio, e usando apenas seu perfil pessoal como fonte, também fui um dos que achou absurdo o  "cancelamento" do Cacique. Porém, lendo a entrevista percebi que, infelizmente, caí num ‘bait’ (outro termo da moda) do Simas, ou ele caiu no de alguém e repassou. Enfim, o fato é que o suposto cancelamento do Cacique era baseado em um comentário aleatório. Ou seja, não havia "a turma que iria cancelar", e consequentemente não havia polêmica.

E esse é o ponto. Entendo e concordo com análises sobre a infantilidade, intransigência ou mesmo a pouca efetividade da "cultura do cancelamento". Porém, o que vejo atualmente em alguns perfis, e esse exemplo do Simas ajuda a ilustrar, é o uso da crítica ao "cancelamento" para a criação, e talvez até maior divulgação (funcionou com o Cacique) de falsas polêmicas ou mesmo a tentativa de silenciar debates de fato importantes.

É tipo algum 'influencer', ou algo próximo, pegar um comentário irrelevante de alguém falando em "cancelar", ou algo do tipo, e criar todo um “bait/isca” para maior divulgação, likes, mais seguidores, etc. Exemplo, seria como se eu (irrelevante) fizesse um comentário de que deveríamos "cancelar" o filme O Auto da Compadecida (que adoro, inclusive), a fala passaria despercebida, talvez um like, algumas críticas de amigos dentro da minha bolha e vida que segue. No entanto, alguém com mais seguidores vê isso e usa o que escrevi como base para um textão onde explica o quão absurdo é o meu comentário, algo que será compartilhado por outros e outros… e no fim teremos um monte de gente revoltada, e, por algum motivo, xingando identitários (outra palavrinha na moda que serve bastante como bode expiatório) e afins. Pronto, tá criada uma falsa polêmica, onde não há qualquer embate real de ideias, e sim um comentário (besta ou não) e um monte de textão, piadinha, lacração, xingamento e, principalmente, VEM COMIGO NESSA THREAD, ou seja, masturbação intelectual. 

Outro grande problema da crítica vaga aos supostos "cancelamentos", é que ela serve de muleta para se atacar qualquer crítica real, e bem fundamentada, que lhe desagrade. Um exemplo, se eu, ou qualquer outra pessoa, fizer uma crítica sobre todo o machismo contido na música ‘Faixa Amarela’ de Zeca Pagodinho, a não ser que seja diretamente expresso, em nada significa que estamos “cancelando” ou propondo o "cancelamento" de Zeca (que é excelente), apenas estará sendo apontando algo negativo em uma música sua, e, sinceramente:



... Mas se ela vacilar, 

vou dar um castigo nela 

Vou lhe dar uma banda de frente 
Quebrar cinco dentes e quatro costelas 

Vou pegar a tal faixa amarela
Gravada com o nome dela
E mandar incendiar
Na entrada da favela… 

É meio evidente todo o problema que essa música traz. Inclusive o próprio Martinho da Vila, que também a canta, mudou esse trecho. Ou seja, seria normal e natural um comentário negativo, inclusive, bem pertinente. Mas o que soaria para alguns? claro: "COMO ASSIM TÃO QUERENDO CANCELAR ZECA PAGODINHO", "ESQUERDA IGNORANTE", "IDENTITÁRIOS!", "BOLSONARO GANHARÁ ATÉ 2050!"... etc... etc... Um monte de generalizações e insultos a ‘esquerda cirandeira’, ‘identitários’, ‘esquerda classe média’ (o louco disso é que na maioria das vezes quem o faz é também ‘esquerda classe média'), que, evidente, podem sim ser alvo de críticas. Todavia, com o mínimo de argumentação e não servindo apenas como bode expiatório.

Sei também que os exemplos são recortes e resumos, no ‘mundo real’ nem o cancelamento e muito menos as falsas polêmicas possuem grande clamor. E óbvio, muitos dos comentários (VEM COMIGO) não passam do ego buscando seu biscoito de cada dia, ou de pessoas lutando contra seus espantalhos escada. Porém, mesmo como recortes, esse tipo de anulação de debates e certezas absolutas vão sempre para um caminho, no mínimo, desagradável, e aí não se trata de ‘cancelar’ ou não, e sim de ignorar todo e qualquer debate saudável (palavra que infelizmente não anda muito na moda) por qualquer vitória de Pirro.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

O não tão admirável mundo novo


Antes de iniciar é sempre bom deixar claro que o texto se trata de um recorte da sociedade, dentro de um contexto pessoal. Obviamente não é uma pesquisa científica e muito menos tem a audácia de tal. Algo, inclusive, bem comum atualmente no ‘mundo digital’.

Mundo digital esse que é um dos temas recorrentes de um autor que gosto bastante, Bruno Latour. Mas não citarei a excelente obra de sua autoria “Jamais Fomos Modernos”, e sim um trecho interessante de uma excelente ótima concedida ano passado:


Diante disso, pode haver uma ideia compartilhada da verdade? 

R. As pessoas se queixam das fake news e da pós-verdade, mas isso não significa que sejamos menos capazes de raciocinar. Para conseguir manter um respeito pelos meios de comunicação, a ciência, as instituições, a autoridade, deve haver um mundo compartilhado. É um tema que estudei no passado. Para que os fatos científicos sejam aceitos, é preciso um mundo de instituições respeitadas. Por exemplo, sobre as vacinas se diz: “Estas pessoas ficaram loucas, estão contra as vacinas.” Mas não é um problema cognitivo, de informação. Os que são contra não serão convencidos com um novo artigo na revista The Lancet. Essas pessoas dizem: “É este mundo contra este outro mundo, e tudo o que se diz no mundo de vocês é falso.”

A parte final da resposta para mim é um indicativo e um resumo interessante sobre a “sociedade conectada” que estamos (claro, com ressalvas). Os avanços tecnológicos e comunicacionais não levaram apenas a criação de “guetos na internet”, que, digamos, estariam restritos a conceitos mais individuais, tipo eu sou pró-aborto ou não. E além disso, cabe destacar que fake news ou ‘pós-verdade’ não é necessariamente algo novo, a comunicação sempre possuiu esses ruídos, através de manipulação direta ou mesmo crenças. Acreditar que comer manga com leite faz mal é um tipo de fakenews bem antiga.

No entanto, atualmente, me parece que avançamos, e de forma bem rápida, para além de crenças ou individualidades. Como bem destaca Latour, foi ‘criado’ um novo paradigma de mundo, onde, nele, diversos fatores são depositados. Não é uma questão de acreditar em alguma teoria (doida ou não) da conspiração, ou mesmo achar que vacina não funciona. Pois, muitos desses fatores em tempos passados implicavam em pontos individuais, não no macro, no social.

Atualmente, voltando a resposta de Latour, você não apenas acredita que vacina não funciona, em geral isso vem acompanhado de uma ideia de globalismo, terraplanismo, anti-ciência, conservadorismo ocidental, etc. É uma gama de fatores sociais e comportamentais, que vão ditar onde estudar, frequentar, o que ler, comer, com quem se relacionar, etc. E o principal, se em dado momento um mantra 'negacionista' era “questione tudo”, atualmente é “questione o outro mundo e o combata!”, não há uma troca hegeliana de visões, e sim, disputa direta. Ataque. E é algo, como podemos ver em representações de governos importantes de grandes nações, que vai além de simples ‘grupos do orkut’. Estão no poder.

E qual seria o problema? Bem, na mesma entrevista Latour traz uma ideia:

P. Os dois mundos valem o mesmo? 

R. Não, mas estão em guerra. É um problema geopolítico. Antes, eram problemas de valores ou ideologia, mas num tabuleiro estável. Agora, não. O mapa está em discussão. “Na América não há problema climático, isso é falso”, diz Trump.

De certo ainda não podemos afirmar que a visão de mundo “anti-globalista” esteja em uma guerra com o “globalismo”, ainda há convivência (cada vez mais abalada), mas, voltando aos valores e algumas mudanças sociais, até onde isso se mantém, se, parafraseando Raul Seixas, “faz o que tu queres a de ser tudo na lei”. Então se a "lei" de determinados grupos/mundo é uma, até onde ela irá tolerar o contraditório? E quando em "lei" é no sentido de convivência social. Por que tolerar ou aceitar o 'mundo não real'?

É sabido que as construções históricas para grandes cisões, algumas bem trágicas, não saem do nada e chegam ao ápice em pouco tempo. E pior, em um ponto onde se nega a história nem podemos dizer que ela se repete como fraude. Até porque, para muitos, ela representa a história de um novo mundo que nunca existiu, de uma realidade de fato paralela, que foi atacada por forças superiores.

Por fim, fica o questionamento central do texto. Numa sociedade, ainda mesmo que embrionária, em que se existem dois paradigmas de realidade, em que existem dois mundos, complexos e com uma gama de representações, quem mediaria esse choque? quem mediaria essa disputa? e, ainda mais, quem julga o julgador?

Ps. O filme que serviu como imagem para o texto é ótimo. Vejam.

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

O Novo é de fato novo. Mas isso não significa que seja bom




O Partido Novo é, com o perdão do trocadilho, uma novidade nesta eleição, e apesar de não estar entre os principais, longe disso, vem recebendo críticas e elogios, ao meu ver até acima da sua representatividade, que até o momento é praticamente nenhuma. Porém, uma das críticas que mais me incomoda em relação ao Novo (o Partido) é falarem que “ele já nasceu velho”, “o Novo não é tão novo” ou "o Novo que é velho".

Em primeiro lugar, o Novo, como falei anteriormente, é sim uma novidade. Ele possui pontos, em tese, que outros partidos não tem, como
a limitação ao "carreirismo político" e ser vedado ao presidente do Partido que ele possua cargo eletivo. Até aí, ok. São novidades que não necessariamente mudam o panorama político nacional. No entanto, o problema não está em ele ser novo ou não, e sim, que ao colocarem como crítica o fato dele “não ser novo”, ou seja, velho, dá a entender que o “velho”, na política, é algo ruim, algo que não concordo. Quando se tenta desqualificar o Novo com a pecha de velho, basicamente você argumenta em prol do Partido dando a entender que “se ele realmente fosse uma novidade isso seria bom”, repito, não.

É claro que a evolução humana e consequentemente política é sempre bem vinda, tanto no campo liberal de esquerda como até mesmo no conservador. Porém, daí a empurrar dentro de um arcabouço político cheio de complexidades (frase clichê, eu sei) que “ser novo”, “renovar”, “nova política” significa algo necessariamente positivo, é resumir o que é complexo à
aforismas simples e de impacto, até porque se a gente parar e analisar de forma séria o que é, de fato, a “velha política”? qual o problema real da existência de “partidos velhos”? E até onde renovar significa, dentro de uma perspectiva iluminista, melhorar?

Para a primeira pergunta muitos podem dizem: “política velha é política corrupta, é a política do toma lá da cá, a política feita por políticos de carreira, coronéis, etc”. Levando em consideração estes pontos como “política velha”, argumentaria que em relação à corrupção ela não necessariamente faz parte apenas da política, onde ela obviamente está presente, ela também é parte da sociedade em geral. Por exemplo, o Novo se orgulha de não ter “políticos corruptos” (para ser aceito no Partido é necessário ser ficha limpa), ok, acredito e acho até bacana. Mas isso não significa que ele não tenha pessoas corruptas no Partido, um empresário corrupto, médico, engenheiro, etc. Há um fato, às vezes esquecido, que para existir corrupção é necessário o corrupto e o corruptor, e praticamente desde a
ascensão da burguesia que uma parcela do empresariado, sejam em sociedades socialistas ou capitalistas, é corrupto, porém não por isso se brada, principalmente no campo à direita, por um “empresariado novo”, “um novo jeito de ser banqueiro”, “temos que acabar com os velhos empresários”. Ou seja, as práticas de corrupção são um reflexo das pessoas (físicas ou jurídicas), não necessariamente do momento.

Sobre o ponto do “toma lá da cá”, levando em consideração que não há corrupção, tema abordado anteriormente, ele é nada mais do que à política, dentro do conceito de
poderes de Montesquieu, sendo colocada em prática. Ou seja, em tese, a partir do momento em que o Executivo precisa lidar com um Congresso/Legislativo múltiplo, é, ou deveriam ser, necessárias as negociações e ponderações em programas diferentes. Além disso, a troca de apoio por cargos, dentro de um conceito legal, é algo mais “novo” do que necessariamente antigo, é isso ou isolamento, ditadura, monarquia, ou algo semelhante. Mais ou menos parafraseando Churchill, “é o melhor dos piores modelos”.

Já sobre política de carreira e coronelismo, apesar de sim, ser uma praga em geral, ela não é constituída apenas dentro da política, fatores externos e bem importantes, “agregam valor” a esse formato. Ou seja, não é uma questão de “velha política” e sim, talvez, de “velha sociedade”. Por exemplo, os Sarneys não se mantiveram no poder e de alguma forma ainda são relevantes no Maranhão (e Amapá) por tanto tempo apenas baseados numa "opressão coronelista/política" eles possuem
redes de TV e Rádio, conjuram com setores do funcionarismo público e privado, todos fatores que vão além da política. Então, se propomos o “novo” para combater esse tipo de prática, também precisaríamos de “novas formas de fazer comunicação”, “novos modelos de empresários”, “novas formas de gestão pública e privada”. É combater o contexto (o famoso sistema) não apenas um dos seus pontos.

Ainda sobre o novo sendo tratado como um conceito moral superior, recentemente o candidato do Novo à presidência declarou, como se fosse algo positivo, que:
"Nos últimos 30 anos, o Novo foi o único Partido que não surgiu a partir de um sindicato, de uma agremiação religiosa ou de uma dissidência política”. Independente do ponto dele ter nascido de um banco, o que de fato tem de bom na declaração dele? Qual o problema real de um partido nascer de representações sociais fortes como sindicatos ou agremiação religiosa? (respeitando, claro, a laicidade do Estado). Partidos nascerem de grupos ideológicos é nada mais do que uma das principais funções de um Partido, ou seja, representar pautas e grupos, seja o verde, à esquerda, à direita, os cristãos, umbandistas, etc. Um dos problemas no Brasil é exatamente a falta dessas representatividades de forma partidária, o que leva a um grande cinza (chamado centrão) e Partidos fracos que são engolidos por personalismos (como Bolsonaro). Já sobre as dissidências, muitos dos candidatos do Novo vem do “Livres”, um grupo político que tal qual o Novo se coloca como “liberal econômico”, e que de alguma forma é uma dissidência do PSL (saíram de lá quando o Bolsonaro se filiou ao Partido). Enfim, sou um grande entusiasta de Partidos fortes e totalmente favorável ao Novo se colocar como um deles dentro do jogo político, levando suas ideias e modelos. Porém, jogar o jogo significa exatamente aceitar suas regras, fingir que possui regras próprias e mesmo assim jogar é esquizofrenia política.

Por fim, o “novo” sempre leva a outro conceito próximo que é o de “renovação” no legislativo, executivo, etc. Renovar é sempre algo importante a partir do preceito de evoluir. Mas renovar apenas por renovar significa melhorar? O MBL (Mamãe Falei, Kim etc) é, de fato, uma renovação política. Todavia, mesmo dentro do espectro de direita, é algo bom?. Eles também são uma “nova” forma de fazer política, porém, é positivo? Mesmo no campo da esquerda, Lula, Erundina, Suplicy, Ivan Valente, Tarso Genro e até mesmo, mais à centro-esquerda, Ciro Gomes, entre outros, são o “velho”, a “política antiga”. No entanto, esses nomes são piores do que uma renovação, à esquerda, às vezes forçada e mais próxima da
“pós-modernidade” do que pautas populares básicas e constitucionais como moradia, educação, saúde e emprego? Não acho.

Isso sem contar que renovar o Congresso, na idade,
elegendo os filhos dos políticos que anteriormente lá habitavam não é bem renovar, certo? É apenas colocar uma “mão de tinta” no passado. Sendo assim, ainda acharia preferível, não necessariamente ideal, colocar políticos “velhos” mas com ideias próprias e que deem a cara a tapa, não se escondendo atrás dos seus filhos.

Enfim, não estou fazendo uma defesa da acomodação política do “então do jeito que tá, tá bom”, longe disso. Apenas não aceito o antagonismo e maniqueísmo entre “novo” e “velho”, como se a política, esse negócio tão sério e complexo, fosse resumido à aforismas e frases de efeito. Como diria o Vanucci,
“Mudar ou…mudar de vez”, não necessariamente significa pra melhor.